O drama da igreja de hoje

(di ) «A situação tantas vezes dramática da Igreja de hoje» foi o núcleo da homilia que Bento XVI proferiu durante a Missa Crismal de 5 de Abril passado. Não se tratou de uma denúncia genérica; com efeito, o Papa evocou explicitamente a situação da Igreja na Áustria, país onde o movimento Pfarrer-Iniziative (Iniciativa dos Padres) publicou um «Apelo à Desobediência». Este documento, assinado por quatrocentos sacerdotes austríacos, exige, entre outras coisas, o acesso das mulheres ao sacerdócio, a abolição da obrigação do celibato sacerdotal e o acesso à comunhão dos divorciados recasados – pontos sobre os quais, tal como sobre a ordenação sacerdotal das mulheres, a Igreja já se manifestou de maneira irrevogável e definitiva.

Convém sublinhar que a desobediência destes membros do clero não é um simples episódio isolado de indisciplina, mas uma adesão organizada a erros ou heresias, revestindo por isso o carácter de um cisma, pelo menos potencial. A distinção fundamental entre heresia e cisma remonta a São Jerónimo, que definiu a heresia como a perversão do dogma, enquanto o cisma é a separação da Igreja (In Epist. ad Titum, PL, vol. 26, col. 598). A heresia consiste, pois, numa separação doutrinal ou teológica, enquanto o cisma é uma separação disciplinar ou eclesiástica. Nem todas as heresias se traduzem em cismas, ao passo que, regra geral, os cismas pressupõem uma heresia.

A história da Igreja é, desde o princípio, a história das suas perseguições, mas também das heresias e dos cismas que desde a sua origem lhe minaram a unidade. São Paulo refere frequentemente, nas suas cartas, estes desvios relativamente aos ensinamentos de Cristo e da Igreja, que já então ocorriam entre os fiéis; assim, na Carta aos Efésios, o apóstolo aconselha: «Não torneis a proceder como os gentios, na futilidade do seu discernimento, pois eles têm o entendimento obscurecido, por andarem alheios à vida de Deus, devido à ignorância e endurecimento do seu coração» (4, 17-18). Na origem deste distanciamento das vias do Senhor está a ausência da submissão a Cristo, o único Caminho, a única Verdade e a única Vida.

Como recorda o Papa na sua homilia, Cristo «concretizou o Seu mandato através da Sua própria obediência e humildade até à Cruz, tornando assim credível a Sua missão. Não se faça a Minha vontade, mas a Tua: esta é a palavra que revela o Filho, a Sua humildade e simultaneamente a Sua divindade, e nos indica o caminho». O sacerdote está obrigado a repetir, com o evangelho: «A Minha doutrina não Me pertence» (Jo 7, 16). Como dizia ainda o Papa, «Não anunciamos teorias nem opiniões privadas, mas a fé da Igreja, da qual somos servidores. […] Mas a desobediência será verdadeiramente um caminho? Poderemos intuir nela algo daquela configuração a Cristo que é o pressuposto de toda a verdadeira renovação, ou não será, pelo contrário, apenas um impulso desesperado de fazer qualquer coisa, de transformar a Igreja segundo os nossos desejos e as nossas ideias?»

Durante algum tempo, as declarações heterodoxas destes membros do clero foram cobertas com um véu de piedoso silêncio. Contudo, a partir do momento em que o Papa deu o alarme, não podemos já calar-nos, ainda que falar pressuponha trazer à luz graves responsabilidades. É o caso da Áustria, onde o Cardeal Christoph Schönborn, Arcebispo de Viena, ratificou recentemente a eleição de Florian Stangl, um homem de 26 anos que se apresenta abertamente como homossexual, para o Conselho Paroquial de Stützenhofen, desta arquidiocese.

O jovem, que está oficialmente inscrito no registo civil como vivendo com «um companheiro», foi eleito por maioria para o Conselho da sua comunidade eclesial; ora, o pároco desta paróquia, o Abade Gerhard Swierzek, exprimiu a sua oposição pessoal a esta eleição, de acordo com o previsto no Direito Canónico. Contudo, o recém-eleito declarou não estar minimamente disposto a renunciar à sua situação de homossexual de direito e de facto, considerando mesmo que se trata de uma «exigência irrealista». Os meios de comunicação saltaram para a arena e, depois de ter convidado Stangl e o companheiro para jantar, o Arcebispo de Viena deu uma entrevista à cadeia de televisão ORF, no decurso da qual afirmou ter ficado «muito impressionado» com o jovem homossexual, «tanto do ponto de vista humano, quanto como pessoa e como cristão», e anunciou diante das câmaras a sua decisão de confirmar o cargo do jovem no Conselho Pastoral, a despeito da opinião em contrário do pároco. O Cardeal afirmou ter pretendido atentar «mais aos homens do que à lei», após o que anunciou a sua intenção de rever as regras de acesso aos Conselhos Pastorais, «a fim de aperfeiçoar as condições que os candidatos têm de preencher».

O Cardeal Schönborn teve, como seu Vigário Geral e homem de confiança, Mons. Helmut Schüller, que se encontra hoje à cabeça do movimento de sacerdotes desobedientes da Pfarrer-Iniziative; e teve oportunidade de enviar à Congregação para o Clero um memorando sobre a questão do celibato sacerdotal, acompanhado de uma nota pessoal, «a fim de que, em Roma, se saiba o que pensa uma parte dos nossos leigos sobre os problemas da Igreja».

Em Itália, um prelado que parece ser da mesma fibra que o Cardeal Schönborn é Sua Eminência o Cardeal Carlo Maria Martini, que foi Arcebispo de Milão. O Corriere della Sera de 23 de Março último dedicou um grande artigo à última obra do Cardeal, escrita sob a forma de diálogo com o senador e cirurgião Ignazio Marino. Nesta obra, Credere e conoscere [Crer e Conhecer], o Cardeal Martini, apresentado pelo jornalista como «uma das maiores autoridades espirituais do nosso tempo», afirma que o comportamento homossexual «não deve ser demonizado nem ostracizado». «Em minha opinião, a família deve ser defendida. […] Contudo, não é mau que, em vez de relações homossexuais ocasionais, duas pessoas tenham uma certa estabilidade e que, consequentemente e neste sentido, o Estado possa também favorecê-las. Não estou de acordo com aqueles que, no seio da Igreja, se insurgem contra as uniões civis. Apoio o casamento tradicional, com todos os seus valores, e estou convencido de que ele não pode ser posto em questão. Mas se há pessoas, de sexo diferente ou do mesmo sexo, que desejam assinar um pacto destinado a conferir uma certa estabilidade a esta união, não me parece bem recusar-lhes essa possibilidade» (Corriere della Sera de 23 de Março de 2012).

A 13 de Março passado, no contexto da visita ad limina dos bispos americanos, o Papa criticou «as poderosas correntes políticas e culturais que procuram alterar a definição legal do casamento», e afirmou que «não se pode considerar que as diferenças sexuais são irrelevantes para a definição do casamento»; Bento XVI recordou ainda que a união homossexual, seja ou não regulamentada pelo Estado, não pode, de maneira nenhuma, ser aprovada pela Igreja. E, se ordenação das mulheres é uma violação da lei revelada por Deus, a homossexualidade infringe, não só a lei da Igreja, mas também a lei natural, impressa pelo Senhor no coração de todos os homens.

O novo Catecismo da Igreja Católica considera, no seu nº 2357, que as relações homossexuais são «graves depravações», «intrinsecamente desordenadas» e «contrárias à lei natural», e afirma que não podem ser aprovadas «em caso algum». Numa altura em que se comemoram os vinte anos de entrada em vigor do Catecismo, é doloroso vê-lo questionado, em palavras e obras, por membros da hierarquia da Igreja. Por outro lado, dificilmente poderemos fazer face ao cisma que se avoluma sem atingir aqueles que favorecem os mesmo erros no interior da própria Igreja, mesmo que estejam revestidos da púrpura cardinalícia (Roberto de Mattei).

 

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