O exemplo dos ucranianos para o Ocidente

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«Antes vermelhos que mortos» foi, nos anos oitenta, um dos slogans da esquerda europeia, quando os movimentos pacifistas se opunham aos mísseis americanos Pershing 2, instalados para responder aos mísseis SS20 que os russos tinham destacado para atingir alvos na Europa ocidental.

Hoje, perante a ameaça de uma guerra em escalada na Ucrânia, este slogan está a ser reproposto por alguns com a variante «melhor russos que mortos»; melhor a derrota que a guerra. O jornalista Vittorio Feltri, por exemplo, concluiu um artigo no quotidiano Libero, de 2 de Março, com estas palavras: «Gostaria de sugerir a Zelensky que não seja prepotente, deixe isso de lado. Melhor derrotados que mortos».

«Melhor derrotados que mortos». Estas palavras, que me parecem escandalosas, expressam uma filosofia de vida que, no distante 1984, lembro-me de ter denunciado, numa conferência, com estas palavras: «Qual é o significado último do princípio “melhor vermelhos que mortos”? O significado é este: a vida, claro, a vida material, é o bem supremo do homem. Viver, custe o que custar. Viver o maior tempo possível, o mais comodamente possível. Não há valores, por muito elevados que sejam, pelos quais valha a pena morrer. Não há princípios, não há bens espirituais superiores à vida material. Se estes bens existissem, mereceriam ser antepostos à vida. Se não merecem ser antepostos à vida, se é admissível renunciar-lhes para salvar a vida, se é lícito preferir a invasão russa à morte, significa que a vida é tudo, significa que a matéria é o essencial.     

Bem, nenhum slogan como este, “melhor vermelhos que mortos”, nega radicalmente os princípios e o espírito da civilização ocidental e cristã. Qual tem sido, de facto, a alma da civilização ocidental ao longo dos séculos? O espírito de sacrifício. O que é o espírito de sacrifício? É o saber renunciar a um direito ou a um bem, mesmo que grande, em vista de um bem superior. Espírito de sacrifício significa ter ideais elevados e lutar por eles, lutando pelo que é melhor, à custa de dores, de lutas, de renúncias. A riqueza material e espiritual das famílias e dos povos é filha deste espírito de sacrifício. O verdadeiro progresso, o verdadeiro desenvolvimento na vida das pessoas, está intimamente ligado a este espírito de sacrifício. É daqui que nascem os vértices da santidade e do heroísmo. Em que se funda o espírito de sacrifício? Sobre o amor. Quanto mais amamos um bem, maiores serão as renúncias e os esforços que imporemos a nós próprios para o conseguir. E quanto maior for um bem, mais este bem merecerá ser amado» (Intervenção, a 14 de Abril de 1984, na conferência da Fundação Volpe dedicada ao tema Paz, sim; pacifismo, não).
Os homens ucranianos que não deixam o seu país, ou que regressam para lutar, depois de terem posto em segurança as suas famílias no Ocidente, expressam, pela sua escolha, uma filosofia de vida abandonada por uma Europa relativista e sem raízes.

O bom cidadão não tem medo de enfrentar a morte pela sua pátria. O bom cidadão não diz “melhor vermelhos que mortos”, “melhor derrotados que mortos”, mas está disposto a sacrificar a sua vida por amor à própria fé, por amor à liberdade e à independência da sua pátria, por amor à sua honra e à dignidade pessoal.

O slogan “melhor russos que mortos”, ou o análogo “melhor derrotados que mortos”, significa não à morte, não ao sacrifício, não ao heroísmo, e, portanto, não ao amor verdadeiro, não à grandeza, não à glória. Sim à vida material, sim à vida longa, à vida cómoda, a uma vida indigna de ser vivida. Tolos são todos aqueles que, ao longo dos séculos, deram as suas vidas por um bem maior: a Pátria. Tolos não só os heróis, mas também os mártires, que sacrificaram as suas vidas por um bem superior, a Fé. Nunca como neste slogan foram negados séculos de civilização.

Aonde leva este slogan, aonde leva este princípio? À escravatura. As correntes da escravatura pagã foram quebradas pelo espírito de amor e de sacrifício do Cristianismo. Sobre este espírito de amor e de sacrifício, o Cristianismo edificou uma nova civilização. A negação dos ideais ocidentais e cristãos reconduzirá o mundo a uma escravatura muito pior do que a antiga. Mas os combatentes ucranianos indicam um caminho diferente, o caminho do renascimento do heroísmo e do espírito de sacrifício, que não é outro senão o caminho do Evangelho, que nos lembra: «Quem se ama a si mesmo, perde-se» (Jo 12, 25) e também «Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua vida?» (Mt 16, 26).

Os ucranianos que se defendem são um exemplo para todos aqueles que queriam render-se.